sexta-feira, 10 de agosto de 2007


Se me esqueceres
Pablo Neruda

Quero que saibas uma coisa.

Tu sabes como é:
se olho a lua de cristal, os galhos vermelhos do outono em minha janela,
se toco junto ao fogo as impalpáveis cinzas
no corpo retorcido da lenha,
tudo me leva a ti,
como se tudo o que existe:
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam em direção às ilhas tuas que esperam por mim.

Agora, bem,
se pouco a pouco tu deixares de me querer
pararei de te querer
pouco a pouco.

Se de repente me esqueceres
não me procure,
pois já terei te esquecido.

Se consideras violento e louco o vento das bandeiras que passa por minha vida
e decidires me deixar às margens do coração no qual tenho raízes,
lembra-te
que nesta dia,
a esta hora
levantarei os braços e minhas raízes partirão em busca de outra terra.

Mas
se em cada dia,
cada hora,
sentires que a mim estás destinado com implacável doçura,
se em cada dia levantares uma flor em teus lábios para me buscares,
oh meu amor, oh minha vida,
em mim todo esse fogo se reacenderá,
em mim nada se apaga ou se esquece,
meu amor se nutre do seu, amado,
e enquanto viveres
estará em teus braços
sem deixar os meus.

terça-feira, 17 de julho de 2007

(Sem título)


Saudade — síntese de uma profusão de sentimentos
falta daquele olhar que vê o íntimo sem ser invasivo,
do sorriso que aquece a alma,
do toque que vai além do contato de pele,
das conversas sussuradas,
do silêncio de cumplicidade.

As noites passam a ser momentos
em que fantasiar o amor
é tão sublime quanto o amor em si.
As carícias trocadas ficam marcadas na pele,
como tatuagem.

O tempo e o espaço adquirem uma nova dimensão.
O longe pode parecer perto, o perto longe.
Mas o segundos que passamos afastados,
ah, os segundos,
se tornam horas,
as semanas viram meses.

E tudo o que quero é sublimar esta saudade
estando novamente e teus braços.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Paulista




É noite

caminho sobre o ar fresco da Avenida Paulista,

vinte e três graus, respiro no clima ameno de São Paulo,

namorados de mãos enlaçadas,

velhinhos com seus cães,

passantes andam apressados,

jovens clubbers e emos em bandos, entribados,

moradores de ruas com seus cachorros vira-latas,

e a lua me acompanha.


Me perco nos meus pensamentos,

tantas coisas a fazer,

encontrar uma casa pra morar,

trabalho, trabalho, trabalho,

as luzes dos prédios me sorriem,

os carros passam por mim,

as pessoas também.


Essa cidade me absorve,

mas estou vivendo em outra dimensão,

onde a cidade de São Paulo é minha,

somos uma só nessa noite estrelada

em que caminho sem pressa,

completamente absorta em meus pensamentos

vivendo e sendo a Paulicéia desvairada.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Devolva-me

Você se foi, levou tanto de mim, que já não há mais vazio, há sim, um vácuo infinito. Quero que me devolva tudo o que te dei. E não falo da camisa branca no Natal ou daquela foto minha que você deixava no seu criado mudo para me ver quando acordasse mesmo sem termos dormido juntos, como você disse quando comprou o porta-retrato.

Falo do que eu sou e ofereci a você. Falo do meu mau-humor e sarcasmo nos dias de TPM. Falo do meu riso fácil e esontaneidade nos outros dias do mês. Falo do meu ombro amigo nas tuas horas difíceis e do meu afago nos seus momentos de carência, ou da minha massagem nos seus ombros quando você estava tenso.

Te devolvo o colo que você me deu e a mão que me segurou para que eu não mais caísse e chegasse no fundo do poço. Devolvo também as noites ardorosas e o nosso primeiro beijo. Te devolvo todas as lembranças, tanto as alegres quanto as tristes. Faça com o elas o que quiser. Hoje, essas lembranças só me causam dor.

Só lhe peço que me devolva o que ainda resta de mim em você. O que tenho de mais precioso. Ainda que venha com danos, e eu sei que não serão poucos.

Por favor, devolva meu coração.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Desejo

Victor Hugo



Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.



Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.

E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.



Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.



Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.



Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor
E é preciso deixar que eles escorram por entre nós.



Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.



Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você sesentirá bem por nada.



Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.



Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele na sua frente
E diga `Isso é meu`,
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.



Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.

E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Sono

Olho para teu corpo
inerte, adormecido.
Sinto sua respiração,
profunda, intensa.

Imagino no que possa estar sonhando
comigo, com outras ou com ninguém.
Te olho com ternura,
com paixão, adoração.

Penso em quantas vezes estivemos juntos,
e nunca nos juntamos.
Te desejo,
como te desejei e como nunca te havia desejado.

Sim, estou apaixonada,
completa e absolutamente apaixonada.
E você, que antes era um amigo,
é hoje meu adorado amante.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Cidade dos Sapos

É também conhecida como a cidade da garoa, apesar de ser há algum tempo a Cidade dos Temporais, onde numa tarde pode chover toda a chuva de um mês inteiro. Mas hoje, depois de demorar o dobro do tempo para chegar ao local de trabalho, por conta do caos do trânsito, ouvi de um amigo gaúcho que esta é a Cidade dos Sapos. Ele sorri quando conto que o Parque do Ibirapuera já foi um pântano.

Choveu durante todo o dia, na avenida aqui em frente o trânsito de fim de dia, que sempre é complicado, vai lento. Penso que apesar de não ter galochas, é mais fácil ir embora a pé. Rio de mim mesma, há muito tempo não se usam mais galochas.

Esse mesmo amigo me chama dizendo que deve estar aparecendo o sol, porque o céu está de um rosa-alaranjado claro. Saio correndo do escritório. Olho o céu a procura de algum sinal do sol. Rio novamente, a cor do céu nada mais é do que o reflexo das luzes da cidade anoitecendo nas nuvens claras de chuva.

Continua a chover na Cidade dos Sapos, e eu me conformo em ser, assim como meu amigo gaúcho, mais um sapo
.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Indiferença



Publicado em 19 de fevereiro de 2007, por Pri Guerra
no blog Idiossincrasias
http://meias.zip.net/




Há exatos 12 dias o menino João Hélio foi arrastado do lado de fora do carro de sua família e morreu. Dizem que a Veja publicou os detalhes sórdidos da morte do menino. Esse tipo de narrativa não condiz com a idéia que eu faço da função da mídia, e por isso eu não li.



Foi uma tragédia. Não posso mensurar o sofrimento dos pais, da irmã, de toda a família deste menino. Não desejo esse tipo de sofrimento a ninguém.




Faz apenas 12 dias que João morreu. A família ainda nem conseguiu se refazer do choque e uma nova lei penal já foi aprovada. A tal lei aumenta a pena para quem se utilizar de menores para o cometimento de crimes e o tempo mínimo de cumprimento da pena para progressão de regime no caso de crimes hediondos.


Os jornais têm noticiado que a imensa maioria dos juristas é contra a alteração legislativa em momentos de comoção social. Fernando Gabeira argumentou que estamos em constante comoção social e então nunca aprovaríamos lei alguma.


Lamento constatar que não é verdade.


De fato, deveríamos estar em permanente comoção pública, mas não estamos. Acredito, ao contrário, que vivemos na mais completa indiferença.


Indiferença à realidade feia e triste que existe a nossa volta. Realidade essa onde crianças das favelas do Rio – tão crianças quanto João? - têm tanto medo dos tiros dos traficantes quanto do “caveirão”. Realidade onde crianças e adolescentes crescem em famílias desestruturadas, em meio ao tiroteio constante entre traficantes e entre traficantes e polícia, vendo seus pais e irmãos serem mortos na porta de suas casas. Realidade onde a polícia quando sobe o morro sobe derrubando portas, onde o limite entre o público e o privado quase não existe, onde uma família de 10 pessoas pode morar em um único cômodo. Realidade onde mocinhos e bandidos são muito difíceis de se identificar.


Enquanto isso, outra parcela da população desfila em seus carros importados – alguns blindados por reles R$ 80 mil – e tenta se proteger como pode da “criminalidade”.

E a criminalidade continua sem cara, sem nome.
O menino João foi morto em uma tragédia. Tragédia da qual faz parte outros meninos (um de 17 e outro de 18 anos). Outros meninos pelos quais não nos interessamos. Não sabemos seus nomes, suas histórias.

Outros meninos que também têm família. Penso também no sofrimento dos pais destes rapazes, que participaram do assalto que levou à morte de João. Um dos pais inclusive ajudou a prender o próprio filho. Talvez o sofrimento seja ainda maior. Espero, sinceramente, nunca saber a resposta.

Daqui a alguns dias outra notícia ocupará as manchetes. A família de João terá que chorar sua perda sozinha. Teremos uma nova lei. Não teremos nenhuma mudança.

Não teremos parado pra pensar que somos, todos nós, responsáveis por essa “criminalidade”. Que escolhemos a sociedade em que vivemos. E que construímos, ano após ano, uma sociedade cada vez mais desigual, mais injusta e mais cruel.

Não nos preocupamos com as nossas crianças, porque não as consideramos nossas. Quando um João morre, nos chocamos. Somos chamados à realidade. Mas apenas nos preocupamos em como livrar a sociedade “boa” da sociedade “má”, como se existissem efetivamente duas sociedades.

Está na hora de olharmos realmente para a sociedade que criamos e pensarmos sobre a sociedade que queremos. Em dedicarmos alguns momentos dos nossos tão atarefados dias a refletirmos sobre a nossa responsabilidade na vida em sociedade. E no que podemos fazer para resolver efetivamente os nossos problemas sociais – ao invés de apenas criarmos leis penais. Uma pena mais grave nunca devolverá um filho à sua família. Mas políticas sociais efetivas podem impedir que muitos filhos sejam tirados de seus lares.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Procura

Procuro, busco, vasculho
olho para todos os lados, todos rostos.
Não encontrarei.
O que busco está aqui, dentro de mim.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Amo-te

Amo te
é tão grande este amor, me engrandece
enobrece.

Desde que vieste para dentro de mim
meu coração bate em outro compasso
calmo, sereno
minha alma perdeu peso,
ganhou leveza.

Quando te encontrei me reencontrei em ti,
e percebi que nunca te havia perdido,
sempre moraste em mim,
e comigo.
É como se eu nunca tivesse deixado teus braços, teus beijos,
como se eles tivessem sempre sido meus.

Sei dos perigos da distância,
por vezes caprichosa, faz os amantes se perderem de si.
Sei dos perigos do tempo,
traiçoeiro, pode adormecer os sentimentos no esquecimento.
Sei da força do que sinto,
que encurta distâncias e me aproxima de ti,
flexibiliza o tempo, e se fortalece na saudade.

Amo-te
pelo simples fato de que tu existes.
E este amor que me prende a ti,
me liberta das pequenezas de contas a pagar e ciúmes bestas.
Me liberta das paixões que consomem como o fogo,
e só deixam de rastro cinzas e destruição.
Amando-te me gosto ainda mais,
amo ainda mais tudo o que me cerca,
me cerco de felicidade
e só aumento o amor que acalento por ti.

http://recantodasletras.uol.com.br/autores/fgarcia